Escrevi um texto para um site logo após a vitória do Trump, explicando como foi possível uma peruca ambulante vencer. O site infelizmente saiu do ar. Hoje eu percebi que o texto combina direitinho com esse nosso momento, em que Bolsonaro é a peruca ambulante da vez. Fiz apenas pequenos ajustes e troquei os nomes.
Aviso: Não voto em
Bolsonaro nem a pau. Mas também estou profundamente decepcionado com os rumos
do PT, de quem já fui eleitor. Por isso o texto não traz afagos para nenhum dos
lados. Se você quiser ter um chilique, procure um banheiro.
E não, eu não estou reativando
o blog do Jornalismo Boçal. Mas devo voltar ao mundo dos blogs em breve (a
promessa é velha, mas dessa vez parece que rola). Eu só publiquei o texto
porque não resisti. Titio Walter está preocupado.O texto é esse aqui:
Tem artista que gosta de culpar o
público pelo fracasso de uma obra sua. O filme, livro ou o álbum não vendeu
porque “as pessoas ainda não estão preparadas para o meu trabalho”. Fica lindo
na entrevista do jornal. Mas é uma baita desculpa preguiçosa. Não cola.
Em política não dá para ser
preguiçoso. Culpar a burrice do eleitorado é ótimo para você se mostrar
politizado. Mas não explica nada. Nadica. Xongas.
A ideia de ter Bolsonaro como
presidente é bizarra. Uma bomba de napalm na esperança de algum progresso
político no mundo. Mas quer tentar entender o que está acontecendo no Brasil e
por que um cara desses faz sucesso? Então o primeiro passo é descer do pedestal.
“O POVO NÃO SABE VOTAR?”
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Cartum de Arnaldo Branco |
É bom parar de bancar o Pelé, que
afirmava que o povo não sabe votar. É confortável pensar assim, eu sei. Afinal,
seus amigos do Facebook estão todos indignados junto com você. Vocês “sabem
votar”. Todo mundo é cego, menos você e a sua patota, certo?
Isso é preguiça também, Juquinha.
E das bravas. Porque não é o povo que “não sabe votar”. Ninguém nunca soube. Nem
você. Pare de se excluir desse “povo”. Você faz parte dele, goste ou não. Porque
todo mundo gosta de economizar neurônios e buscar “respostas mágicas”. Fazemos
isso o tempo todo.
Lembre-se da última vez em que
ficou gripado. Você sabe dizer qual foi a razão? Vai ver é porque saiu sem
agasalho. E na balada? Aposto como você evita misturar bebidas destiladas com
fermentadas. Claro, misturar bebidas deixa a ressaca pior.
Só que não. O que causa gripe é
um vírus. “Evitar friagem” não vai te proteger 100% de uma gripe. Álcool
destilado e álcool fermentado, quando chegam no estômago, são a mesma coisa:
álcool. O que causa a ressaca é a quantidade de álcool que você ingere. Mas você
prefere continuar acreditando nas respostas mágicas. E acordar de ressaca no
dia seguinte como sempre.
Você quer acreditar nessas
bobagens. Aliás, você PRECISA. Porque tem pressa para atingir algum resultado. Você
quer perder peso, mas não vai fazer reeducação alimentar, que demora e é chata.
Melhor apelar para dietas mágicas e perder 5 quilos em uma semana. Quem nunca?
QUEREMOS MENTIRAS. E QUEREMOS AGORA
Na verdade, nós gostamos de ser
enganados. Não queremos ouvir “verdades”. Queremos ouvir aquilo que é mais
confortável. É por isso que o seu amoreco diz “nossa, você perdeu barriga”,
mesmo quando você está inflado(a). Ele sabe o que você quer ouvir. E os políticos
também.
Afinal, no dia a dia, política
não é “vamos discutir os rumos da nossa sociedade”. E sim “como vou pagar as
contas amanhã?”. Não é comercial de perfume francês. É “quer pagar quanto?”. É varejão, bicho. Quem
vota por “um ideal” é filósofo. 90% das pessoas votam com o bolso, com a raiva
e com os seus interesses.
“Plano de governo” é algo
importante. Um candidato pode desfiar um por um todos os seus planos. Mas, na
real... quem liga para eles? O que importa é a forma do discurso. Nessa eleição
tava na cara: o primeiro espertinho que se apoderasse do discurso de “ser
contra tudo isso que está aí” ia se dar bem.
Bolsonaro, apesar de ser
igualzinho a “isso tudo que está aí” chegou primeiro. E a imagem colou. O povo
que estava revoltado nas passeatas de 2013 continua inconformado. E confuso.
Vai votar no discurso que coloca um alvo nessa revolta toda. Porque esperar
para “construir um mundo melhor amanhã”? É mais fácil ouvir aquele cara que
promete chutar o balde hoje.
O que aconteceu na campanha até
agora foi o famoso “aposto tudo”, momento eletrizante de algumas partidas de
pôquer. O PT achou que iria fechar a fatura sozinho, sustentando a candidatura
de Lula até o final, para depois revelar o seu “seguidor”. Quando viu o erro,
mudou as cores da propaganda de Haddad e escondeu o Lula. Foi tarde demais.
Ficou com cara de maquiagem.
Exatamente o que o eleitor inconformado não quer. Bolsonaro, por outro lado,
não esconde a sua tosquice. Bingo: isso vira “autenticidade” na cabeça das
pessoas. O bolo de fichas dele aumentou.
ESTAMOS VOTANDO COM RAIVA
É preciso entender: esses
momentos em que o povo está confuso e irritado são perfeitos para o surgimento
de populistas. Gente que tem soluções fáceis para uma “era de grandeza”. Ou que
se diz “não-político”. É aquele baixinho de bigode estranho que joga a culpa
nos judeus. Ou aquele revolucionário que diz que é tudo culpa do imperialismo
americano. Não importa o espectro político, populista é tudo igual: aponta um
“Judas” para você mirar suas raivas e esperanças.
A onda que está ameaçando o mundo
não é de direita ou de esquerda. É de populismo. Populismo é vender soluções
fáceis e encontrar inimigos para encantar o eleitorado. É Trump levantando
muros contra imigrante. É Bolsonaro
dizendo que vai armar a população contra bandidos. E é, sim, vamos assumir, Lula
e petistas com o discurso “contra as elites”. É sempre “nós contra eles”. Nós
não erramos. São “eles” que estragam tudo. De novo: preguiça.
Você tem que lembrar que “democracia” é uma
invenção de gregos. Mas de gregos “livres”, que viviam em banquetes discutindo
a vida. O resto era escravo ou artesão. Gente que suava para sobreviver. E é
essa “gente humilde, que vontade de chorar” que você não enxerga além do seu
Facebook. E que, às vezes, está desesperada, revoltada e incomodada. O
suficiente para votar em alguém que parece maluco.
O QUE FAZER AGORA?
Antes de mais nada é preciso
pacificar o ambiente. Comece tendo humildade. Nem todo eleitor de Bolsonaro é
um fascista. Aliás, pare de usar a palavra “fascista” para qualquer pessoa que
discorde de você. Leia esse texto aqui e entenda o porquê.
Por trás desse eleitor que você chama
de “cego” pode ter alguém que apenas não quer votar em um candidato do PT. E,
não, não é porque odeia ver gente de chinelo no aeroporto e detesta pobre. Esse
tipo de generalização é o que faz o eleitor de Bolsonaro se sentir furioso. O
sujeito pode simplesmente estar incomodado em colocar no poder um partido que tem
uma bela dose de responsabilidade pela crise econômica que nos assola. E ainda
não fez um “mea culpa” convincente.
Pare de exigir que os outros
pensem como você. Comece a entender o que os outros sentem. Inclusive quem
pretende anular o voto. Não, anular voto não é jogá-lo fora. É um direito que
todos têm. Quem não vota de forma honesta é mais consciente do que aquele que
vota iludido ou movido por paixões cegas.
COMBATA O EXTREMISMO
Em vez de botar lenha na fogueira
desse fla-flu, busque se aproximar daquele seu amigo ou parente que vota diferente
de você. Critique o Bolsonaro, se quiser (quer uma dica? Use esse vídeo que
mostra o britânico John Oliver dissecando o candidato). Mas não critique o
eleitor. Isso é arrogante. Eleitores dos dois lados não se falam mais, o que é
péssimo, já que o vencedor vai ter que governar para todos, inclusive aqueles
que o odeiam.
O recado final é simples, seja
você um eleitor de Haddad ou de Bolsonaro: não apele para o extremismo. Porque
o extremismo de “A” alimenta o extremismo de “B”. E a forma mais simples de
explicar como o extremismo é um troço estúpido está nesse vídeo do John Cleese,
que eu não canso de compartilhar. Assista.
Não vamos nos esquecer: temos que
atravessar um rio. Mas não adianta fazer isso destruindo a ponte para deixar o
resto das pessoas pra trás. Tem gente querendo atravessar esse rio com você. Se
você insistir em chamar essas pessoas de idiotas, são elas que vão fazer a
travessia. E largar você na margem oposta.
Ainda dá tempo de pacificar as
coisas.
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